quinta-feira, 29 de julho de 2010

Coisas grandes e belas

A primeira impressão que tive de Paris era que tudo parecia "grandioso". E não foi somente quando vi a Torre Eiffel que achei isso. Logo que cheguei na Cité Universitaire e dei de cara com o portal de entrada, pensei: "Parece um castelo!" Na verdade, esse meu sentimento dizia respeito não apenas ao tamanho das construções, mas também à beleza delas. Aos meus olhos, tudo em Paris parecia grandioso porque tudo o que eu via, em seus mínimos detalhes, era belo e me encantava.

É claro que há a periferia, aqui chamada "banlieue", onde ficam as coisas feias dos parisienses. Aquela minha impressão de que eu estava em uma espécie de cenário de filme realmente faz sentido: o estúdio de gravação acaba quando começa a região que não se encaixa muito bem no debate sobre a identidade francesa, emplacado pelo Sarkozy. Mas, deixando política de lado, sou forçado a reconhecer que, pelo menos na região central da cidade, não é muito difícil achar bonito o cenário geométrico das ruas e dos bulevares, sempre com edifícios de fachadas regulares, além dos parques com grandes áreas verdes e dos imponentes prédios públicos. [A imagem acima foi retirada de: <http://parisbanlieue.blog.lemonde.fr>.]

Pelo que li sobre a arquitetura de Paris, essa beleza toda se deve ao projeto de reconstrução da cidade levado a cabo pelo Barão Haussmann, no século XIX, durante o governo de Napoleão III. Ora, não ignoro que a Paris que vemos hoje possa ter sido concebida de um ponto de vista eminentemente militar. Li que Haussmann pensou em facilitar a mobilização das tropas a fim de reprimir as barricadas, que sempre eram possíveis nas ruas irregulares da Paris medieval. Mas deixo essa questão para os especialistas discutirem. De minha parte, eu simplesmente não consigo negar que, mesmo assim, o resultado final me encanta os olhos e me faz ver beleza em toda parte.

Porém, grandioso mesmo é o palácio de Versailles. Construído a mando de Louis XIV, o "Rei Sol", tornou-se o centro do poder oficial da realeza na França em 1682, a partir do momento em que a Corte ali se instalou. Manteve essa imagem de morada do rei até o final do Antigo Regime, em 1789, quando os revolucionários tomaram o poder. [Vejam que as fotos não ficaram boas na minha máquina. Sugiro a quem tiver interesse que consulte a página "Palácio de Versalhes" da Wikipedia. Ali há fotos bem mais bonitas, além de muitas informações históricas.]

Nunca tive uma idéia muito precisa do que seria o palácio de Versailles lendo sobre os reis da França. Só imaginava um lugar bem grande e com uma decoração bastante luxuosa. Mas, ao pisar naquele lugar, minha mente pequeno-burguesa entrou em pane, e a primeira categoria que ficou abalada foi a noção de grandeza. Os ambientes internos do palácio não eram apenas grandes e luxuosos: eram absurdos. Não, aquilo simplesmente não poderia existir.


Os móveis finamente trabalhados, telas e esculturas expostas por toda parte, as paredes ornadas de tapeçaria de tirar o fôlego, o teto altíssimo e soberbo, sempre esculpido e pintado, e muitas vezes com castiçais monstruosos... Em particular, o salão dos espelhos me emudeceu e me fez viajar no tempo de volta ao século XVIII. Em minha cabeça, tudo se passava como se aquele lugar fosse mágico e eu tivesse entrado numa outra realidade, num outro planeta! Cenas e cenários literalmente majestosos se repetiam com variações as mais emocionantes nos incontáveis cômodos, sempre com enormes janelas de vidro que davam a vista para o jardim do palácio.

Ah, o jardim de Versailles... Outra coisa absurda de tão maravilhosa. Visão de sonho de tão perfeita: tudo geometricamente certinho. Sem palavras!

 
De todo modo, não me senti bem ali. Porque eu sabia que, no fundo, toda aquela beleza e grandiosidade era um exagero, um excesso, uma monstruosidade. A sensação de estar em um lugar absurdamente grande e absurdamente luxuoso me fazia pensar o tempo todo: como podiam morar aqui pessoas de carne e osso, mais ainda sabendo que, do outro lado das grades do pátio, havia gente morrendo de fome? Em vários momentos imaginei que Rousseau detestaria estar ali, presenciando tanta opulência de gente hipócrita, puxa-sacos do rei, que só sabiam viver de aparências. Argh!

A casa de Louis XIV não cumpria apenas a função de abrigo: antes mais nada, era um instrumento de ostentação de poder. A beleza ali também tinha uma função precisa: marcar a diferença entre os nobres e o povo. Uma beleza que discriminava e matava. Sim, uma beleza monstruosa, talvez parecida com a do cinturão mágico de Paris, que estabelece a dura separação entre o mundo da belle époque e a "perifa". Ah, como é terrível pensar que nossos juízos estéticos nem sempre nos ajudam a compreender a sociedade... Mas, assumindo meu burguesismo (eu seria hipócrita se não assumisse), Paris continua bela, independentemente de tudo!

Só o que me consolou desse passeio atordoante por Versailles foi encontrar as quinquilharias sendo vendidas em um dos cômodos do palácio. Ao lado de lembrancinhas de todo tipo, encontrei miniaturas de Louis XIV. Penso que o rei não ficaria muito contente em ver sua imagem tão ridiculamente reproduzida como souvenir. Mas, enfim, nem mesmo ele, que se achava tão grande, teria como impedir a força do capitalismo que começou a surgir após a Revolução. Talvez para ele, hoje, bastasse ser tão popular quanto os chaveiros de torrinhas Eiffel... De qualquer maneira, não o levei comigo porque achei absurdo um bonequinho daqueles custar 7 euros. Dar mais dinheiro para o rei? Nem pensar!

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Souvenirs de Paris

Hoje comi meu primeiro crepe em Paris. Foi feito por um simpático Monsieur na rue Norvins, em Montmartre. Não tenho idéia de quantas pessoas passam ali diariamente para serem servidas por suas habilidosas mãos. Só sei que as palavras trocadas com ele são poucas e tudo acontece muito rapidamente: damos o dinheiro e, em pouquíssimo tempo, recebemos o crepe quentinho. No máximo, um ou outro cliente pede um recheio extra, e a relação com o homem dos crepes se prolonga por alguns instantes a mais. Mas, enquanto fiquei próximo a ele, não o vi tendo que dizer seu nome nem contar como anda sua vida para ninguém.

Ok, o homem estava trabalhando, sei disso. Talvez isso explique sua expressão de indiferença diante da pequena multidão que aparecia em sua janela. Uma indiferença recíproca, claro. Afinal, aquele Monsieur devia saber que não era por mal que as pessoas o tratavam como uma máquina de fazer crepes. Pois todos ali estavam bem mais interessados nas outras atrações do local, como a basílica de Sacré-Coeur, a visão panorâmica de Paris que se tem naquele lugar, ou ainda, as centenas de lojas de souvenirs, que ocupam boa parte do espaço nas ruas do bairro.

Ver Paris da escadaria de Sacré-Coeur é algo que emociona. Montmartre é um dos pontos mais altos da cidade e a basílica fica bem no topo. Experimentei a alegria de reconhecer, ao longe, alguns pontos: a Notre Dame, o Panthéon e a torre de Montparnasse. E, ao ver esses grandes monumentos da França como se fossem miniaturas, tive uma dupla impressão: se, por um lado, podia pensar que aqueles pontos estavam literalmente debaixo dos meus pés, por outro, o sentimento de pequenez que tenho diante da pompa e do glamour dos marcos de Paris não diminuíram, pois eu sabia que aquele vasto horizonte escondia muitos deles. Sentia-me como tendo diante de meus olhos uma terra nova a ser desbravada.


Havia muita gente em Montmartre e isso me sufocava um pouco. Muita gente andando pelas ruas, muita gente na basílica e nas escadarias, muita gente nos cafés e nos bistrôs, muita gente nas lojinhas de souvenirs...



E, por falar em lojas de souvenirs, fiquei horrizado com a quantidade delas naquele lugar, todas abarrotadas de cartões postais, canecas, porta-trecos, bonés, ímãs de geladeira, broches, presilhas de cabelo, telas, coisas de escritório, caixinhas de música, pôsteres de todos os tamanhos e tudo mais que se possa imaginar com temas de Paris. Além, é óbvio, das camisetas com "I love Paris" e das infinitas variações da torre Eiffel em miniatura, inclusive os clássicos chaveiros, que continuo achando ridículos.

Pensar que toda aquela gente movimenta uma indústria de quinquilharias, os chamados souvenirs de Paris, é de arrepiar. Porque fico com a sensação de que Paris é só isso: um lugar rico em monumentos que marcam uma história de muitos séculos, mas que hoje servem apenas como temas para o mercado dos souvenirs, que reproduz em formato de brinquedo as imagens dessa história e o próprio nome da cidade. Paris é uma logomarca...

São esses os souvenirs de Paris, que as pessoas compram mesmo sem necessariamente saberem o que tudo aquilo representa. É ainda um pouco chocante para mim ver a história de um lugar (por mais crítico que eu possa ser em relação aos franceses) em escala tão reduzida, como se a Cidade Luz fosse um grande parque de diversões, ou ainda, um espaço lúdico onde se joga um jogo, no qual cada jogador tem como regra levar consigo algo da cidade que possa servir de prova de que esteve ali, em Paris.

Quando penso nas lembranças que gostaria de levar de Paris, não as procuro nesses objetos, nessas coisinhas (e o diminutivo é proposital, porque são coisas pequenas em sentido de importância mesmo). Prefiro ver este lugar de um ponto de vista mais humanizado. Quero me lembrar de Paris como um momento de minha história em que encontrei gente que só poderia encontrar aqui. Quando estiver de volta ao Brasil, quero pensar nesse tempo e me lembrar das pessoas que enriqueceram minha existência, seja academicamente falando, seja como experiência de vida mesmo (só o estranhamento do contato com elas já teria feito a viagem valer a pena). Pessoas que, para minha alegria, terão me contado coisas que jamais escreveriam em livros, nem em artigos, nem em blogs, nem mesmo em e-mails, mas que, por estarem ali comigo, "ao vivo", deram algo de si para mim. Estes serão, espero, meus souvenirs de Paris.

E quando digo isso, penso até mesmo nas pessoas com quem eu não tenha conseguido estabelecer grandes vínculos nem trocar muitas idéias, como aquele Monsieur dos crepes que encontrei em Montmartre, cujo nome desconheço, e que talvez eu nem volte a reencontrar. De todo modo, levarei daqui a lembrança das palavras extremamente significativas que disse a ele: "Merci beaucoup, Monsieur!"... Não, não era por causa do crepe de chocolate que pedi. Era a demonstração de um sentimento de gratidão a alguém que, querendo ou não, deixou uma marca singular de Paris em mim. Uma marca que nem mesmo um milhão de chaveiros de torrinhas Eiffel conseguiriam deixar.

sábado, 24 de julho de 2010

A sociedade do riso

Fico impressionado com a quantidade de gente que se comunica em inglês em Paris. E pensar que, nas minhas aulinhas de francês no Brasil, sempre aprendi que não se deve falar "en anglais" na França! Mas, claro, são turistas, ou muitas vezes, estudantes, e Paris é uma cidade freqüentada por gente do mundo inteiro. Não haveria razão para me espantar ao ouvir esse idioma nestas bandas, por mais xenófobos que pudessem ser os franceses. Aqui mesmo na Cité Universitaire, onde moro, cruzo o tempo todo com esses seres "anglophones".

Em geral, ouço inglês - ou melhor, "anglais" - no metrô ou no RER (uma espécie de trem parecido como o metrô, mas que não se limita à região central de Paris). Não sou fluente na língua de Shakespeare, mas posso dizer que compreendo o suficiente para entender as frases e acompanhar um pouco os diálogos, ainda mais quando as pessoas falam bem. De certa forma, ouvir bom inglês me consola daquela horrível experiência de não entender o "inglesi" macarrônico dos italianos no aeroporto de Roma... Ah, mas quando se fala em francês, "les choses sont un peu plus difficiles"...

Hoje tive uma experiência interessante. Peguei um ônibus (pela primeira vez sozinho, fiquei orgulhoso de mim mesmo!) para vir da Bibliothèque de Sainte-Geneviève até Porte d'Orleans, que é próximo da Cité. E, como acontece em todo o sistema de transporte parisiense, ouvia-se dentro do ônibus uma voz que anunciava os nomes das paradas, o que imagino ser extremamente útil para os deficientes visuais. Aliás, essa preocupação social com os que não podem enxergar a beleza de Paris me comove, afinal, deve ser muito triste ser cego na Cidade Luz!

Mas o que me chamou a atenção ali, dentro do ônibus, era uma outra voz, de uma gravação, que informava os passageiros sobre os detalhes históricos associados aos lugares por onde o ônibus passava. Como meu ouvido francês é meio surdo (o ouvido brasileiro também é, mas isso eu conto em outra ocasião), não entendi quase nada. No entanto, percebi algo bem curioso: que a narração fazia as pessoas rirem. E, pelo pouco que entendi, pareciam ser piadas inteligentes, de um humor fino, sacadas elegantes ou coisa do tipo, que provocavam nos passageiros leves sorrisos e, vez ou outra, discretas trocas de olhares.

Era angustiante entender que passávamos diante da casa onde o escritor Ernest Hemingway morou nos anos que esteve em Paris e, no entanto, não ter a menor idéia sobre o que do Hemingway fazia as pessoas acharem graça. Nunca desejei tanto entender uma língua: queria ser fluente em francês só para participar daquele momento de descontração. Ou, pelo menos, queria compreender o francês como compreendo o inglês só para não me sentir tão excluído dentro daquele ônibus. E eu até notei, da parte de uma simpática senhora sentada à minha frente, um convite para ser incluído naquela sociedade do riso: pois sempre que o comentário da gravação terminava, ela olhava para mim e... sorria!

A primeira reação foi ficar sem graça, como um caipira. Mas depois comecei a sorrir de volta para ela. E o meu sorriso não tinha nada de dissimulação. De fato, era como se, através daquele meu sorriso, eu quisesse oferecer a ela minha companhia. Poderia ter dito: "Good evening, Madame! I would like to smile with you." Não sei se ela continuaria sorrindo, mas isso não importa. Meu sorriso já era, por si só, uma forma de falar uma mesma língua com aquela Madame, muito embora os motivos dos sorrisos fossem diferentes: ela sorria porque achara graça da gravação, eu sorria por causa do sorriso dela.

A despeito da frustração de não ter entendido o que todo mundo ali parecia entender (e muito bem), o episódio do ônibus me fez perceber o quanto a experiência do riso é complexa. Fiquei até com vontade de ler o livro do Bergson sobre o riso. Mas, o mais importante de tudo foi o fato de eu ter percebido que o riso pode ser um promotor de sociabilidade. Mesmo que essa sociabilidade seja baseada em uma comunicação sem palavras, em um único sorriso. E mesmo que esse sorriso não seja um "sourire", e sim um "smile". Porque o que vale mesmo é ver no outro uma companhia para os momentos alegres, e não saber se o idioma do local é "anglais" ou "french".

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Ver e rever

Olhar a Torre Eiffel de perto é algo que impressiona. E vejam que cheguei aqui acreditando que não acharia graça naquela estrutura de ferro, cujos traços eram-me - pensava eu - mais que conhecidos. A reação que tive ao me aproximar dela foi pensar que aquilo não existia, que meus olhos me enganavam, mais ou menos como o Descartes das Meditações, que precisa duvidar de tudo para poder acreditar em alguma coisa.

Isso é uma "coisa estupidamente grande", um "negócio absurdo", dizia a mim mesmo.

Fiquei surpreso com minha surpresa porque achei que conhecesse a Torre. De todo modo, foi muito curiosa a experiência de vê-la "ao vivo". Afinal, as representações que eu tinha desse monumento bizarro estavam guardadas, em suas infinitas variações, na gaveta das coisas banais do meu imaginário. Já tinha "visto" a Torre Eiffel filmada, desenhada e fotografada sob vários ângulos, nas mais diferentes cores e estilos, e isso sem contar as reproduções em miniatura, sobretudo naqueles ridículos chaveiros, que agora entendo por que as pessoas usam...

Mais tarde, enquanto tentava registrar essa sensação em meu diário, veio-me a idéia de um trocadilho. O verbo "rêver" pode ser traduzido por "sonhar". E era bem isso: tudo se passou como se eu estivesse sonhando com a Torre ao rever uma imagem conhecida que, de diversas formas, meus olhos já haviam captado milhares de vezes. Para mim, rever a Torre aqui em Paris, "ao vivo", era como vê-la em sonho: rêver la tour Eiffel...

PS: A foto, onde apareço com cara de assustado, foi tirada na noite dos fogos em comemoração ao 14 de julho, ou seja, dois dias após minha chegada em Paris.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Cenários e encenações

Aqui em Paris tudo é grandioso, luxuoso e, talvez por isso mesmo, assustador. Experimentei o choque cultural de ver pessoas que pareciam brasileiros, mas que quando falavam diziam coisas que eu não conseguia entender. Ainda acho estranho chegar para alguém e ter que dizer: "Bonjour, Madame!", "Bonjour, Monsieur!", "Pardon!", "Excusez-moi!" etc. Parece tudo uma encenação, uma brincadeira, um teatrinho de aula de francês ou coisa do tipo, e não uma situação real de vida.

É muito estranho ver-me num supermercado parecido com um Pão de Açúcar e ter que falar com a moça do caixa como falaria com uma professora estrangeira: "Bonjour, Madame!". E, ainda por cima, ter que pagar com aquele dinheiro que mais parece brinquedo, notas de banco imobiliário. Acho que aqui esse estranhamento todo me fez sentir mais brasileiro. Sim, sou mais brasileiro do que imaginava! Ou mais caipira... De todo modo, não me sinto à vontade com esse formalismo europeu, por mais que eu tente entender que é apenas uma questão de educação.

No sábado, ao andar próximo ao Louvre, vi mulheres lindíssimas, que mais pareciam modelos desfilando com suas belíssimas roupas, como se as próprias ruas de Paris fossem passarelas de moda. Vi os livreiros com suas bancas nas calçadas, vendendo textos clássicos como se fossem frutas ou verduras numa feira. Vi mascates vendendo quinquilharias (ou melhor, souvenirs), mendigos falando inglês e italiano, turistas falando inglês e italiano, e também vi muitos brasileiros. Vi os cafés, que tornam as esquinas tão charmosas, e neles, gente sentada nas mesinhas olhando em direção à rua com cara de estátua... E, de repente, vi a mim mesmo, ali, quase sem acreditar, inserido nesse lugar, que me fazia sentir numa cena de filme francês...

No domingo saímos em grupo para visitar o Jardim de Luxembourg, onde atualmente fica o Senado francês. É um lugar lindíssimo, imenso e, como tudo aqui em Paris, belíssimo. Houve um concerto de piano ao ar livre. Ouvia-se Chopin ali. É muito engraçado ver um montão de pessoas, todas em silêncio, assistindo a uma peça de piano sentadas sob as árvores ouvindo o pianista tocar. Parecem civilizados, pelo menos aos olhos de um "sauvage". Vi também um ex-professor, acompanhado de sua esposa, sentado ali com ares de francês, coisa que ele parece se esforçar para ter. O sobrenome é Santos, mas, é claro, aqui deve ser Santô.

Depois, fomos visitar a catedral de Notre Dame. Assisti a uma missa (ugh!). Mas, apesar do clima religioso que não gostei, o lugar é impressionante: estilo gótico, com o teto altíssimo, muito escura e assustadora por dentro, bem no espírito da "idade das trevas". Olhei para os vitrais e lembrei-me de uma amiga que me sugeriu ver os vitrais da Sacre Coeur. Mas os da Notre Dame não eram tão bonitos. De qualquer maneira, agora posso dizer que vi com meus próprios olhos o lugar onde o Rousseau tentou entregar para Deus o manuscrito de um de seus textos... Fomos com a Cristina, uma artista que está na Maison du Brésil acompanhando o marido. Ela deu uma aula sobre o gótico para o grupo e nos explicou os detalhes da arquitetura da Notre Dame. É tudo muito interessante.

Mais tarde, andamos pelos arredores da catedral, vimos o Sena, as lojinhas cheias de torrinhas Eiffel, camisetas com "I love Paris" e turistas experimentando echarpes e chapéus como se estivessem brincando de desfile de moda. Sim, aqui tudo parece uma grande brincadeira, não é real, é como se fosse um sonho. Porque, para mim, os prédios de pedra são menos sólidos que as paredes feitas de barro do Brasil. Fachadas lindas, sobretudo nas esquinas com ângulos agudos, porém, inabitáveis para alguém como eu. Mas não deixo de sonhar um pouco, imaginando-me encostado numa daquelas sacadas com grade, mesmo que apenas por um instante... Ah, essas pedras parisienses evanescentes, tão menos concretas que o barro feito do pó da terra sobre o qual apóio meus "pieds brésiliens"...

Sinto o tempo todo saudades do Brasil, das pessoas que deixei por lá. Às vezes, sinto com mais intensidade, e fico com vontade de voltar. Mas sei que um ano não demora para passar e que, em breve, retornarei. Só é pena que, enquanto isso, eu tenha que disfarçar a tristeza de só poder ter contato com meus amigos por e-mail ou Skype. Pensei muito sobre o quanto essa "troca" valeria a pena. Talvez valha mais do que eu suspeite. De qualquer maneira, fico sempre tentando me convencer de que está tudo bem e que Paris é um lugar para se sentir feliz. Como se diz por aqui, "ça va", e é isso mesmo: tudo bem. Mesmo porque, na minha situação, não há nada mais a se fazer a não ser viver o presente, o que não é tão difícil quando as coisas a serem vividas são tão boas como agora.

Os primeiros dias

Cheguei em Paris no dia 12/07/2010. Escrevi diversos e-mails para dizer que estava bem e contando um pouco de minhas primeiras impressões. O que segue é a versão que enviei para meu irmão, no dia 14.

“Olá Hiro,

A viagem foi tranqüila, não tive problemas com meu ouvido, mas não consegui dormir e, por isso, cheguei cansadíssimo.

Estou encantado com Paris. E também com o pessoal da Maison du Brésil. Além de ter encontrado conhecidos da USP, fiz alguns amigos novos: tem um "japa" que faz doutorado em computação e que me ajudou a conectar o notebook na Internet, tem um arquiteto de Natal muito simpático e divertido, um filósofo de Porto Alegre zen-budista, uma menina das letras de Araraquara que é um amor de pessoa.

O ambiente é muito legal, é tudo muito bonito para meus padrões fefelechianos, e também espaçoso: acho meu quarto extremamente confortável - o colchão é bom, tenho mesa de trabalho, e até frigobar! Tenho muito espaço para guardar as roupas, tem cabide (eu não precisava ter trazido), e a ducha é muito gostosa. Só o vaso é fora do apartamento, mas isso não tem problema para mim. De qualquer maneira, não dá para comparar com o Crusp.

Não consegui dormir logo que cheguei, apesar do cansaço: tentei deitar à tarde, mas estava agitado por causa da viagem. Ainda estou meio confuso por causa do fuso horário. Só escureceu depois das 22h. É tudo muito estranho...

Mas mais estranho foi na conexão, na Itália: eu chegava para as pessoas e pedia informação, mas elas não me entendiam bem e eu não entendia nada do que elas falavam. Tentei inglês, porque era a língua dentro do aeroporto e do avião, mas o inglês dos italianos é terrível, macarrônico. Tudo porque me perdi: tentei acompanhar o fluxo das pessoas, mas eram muitas e acabei indo parar em outra ala do aeroporto. Ali fiquei muito assustado, quase desesperado, porque só consegui passar na alfândega quando já era hora de embarcar - e foi quando o oficial encrencou comigo, pediu para eu mostrar o bilhete de volta (que eu não comprei). Felizmente eu tinha a carta-convite do orientador daqui, e o oficial aceitou. A família de árabes que estava na minha frente não teve a mesma sorte: o oficial não os deixou passar por problema na documentação.

Senti muito medo em Roma porque eu estava sozinho e as pessoas eram todas estranhas. Foi um alívio ver Cecília me esperando no aeroporto em Paris... A coitada, além de perder o dia para me receber, teve que esperar muito no aeroporto porque meu vôo acabou atrasando. Ainda bem que estou com brasileiros. Eles são bastante acolhedores. Já me disseram que é difícil fazer amizade com franceses.

Ontem (terça-feira) acordei depois das 10h. Após muitos dias de insônia causados pela tensão pré-viagem, hoje consegui dormir bem, finalmente. Mas ainda estou meio zonzo.

Almocei no bandejão da Cité com minha guia, a Cecília. Tinha cuzcuz marroquino. Uma delícia. O bandejão daqui é muito chique e tem almoço e janta. Mas a comida é pesada, como na USP, e não dá para comer duas vezes no mesmo dia. Em compensação, é a opção mais barata de refeição: 2,90 euros.

Hoje também fiz minhas primeiras compras. Estava sem nada, nem água (aqui, tudo custa dinheiro), e o jantar do dia que cheguei foi por conta dos amigos, que se reuniram para me receber. Fui num supermercado chamado G20, que parece um Pão de Açúcar. Comprei torrada, queijo camembert, água, suco de frutas, maçã, pera, iogurte e tabule. Deu pouco mais de 11 euros. Agora tenho comida para os próximos dias. Não dá para estocar muito, pois falta espaço no frigobar.

Também tirei meu passe de trem/metrô/ônibus: o Navigo. Agora posso usar o sistema de transportes daqui sem gastar tanto. Tive meu primeiro contato de verdade com a língua francesa: não entendi várias coisas que a mulher que fez meu Navigo dizia, mas Cecília me ajudou. Confesso que, nessas horas, dá vontade de desistir de tudo e voltar para o Brasil. Mas essa é uma vontade que passa rápido, pois tudo aqui me impressiona.

Só não conseguimos abrir a conta no banco, pois estava fechado. Acho que é devido às festividades de 14 de julho, feriado nacional em comemoração à queda da Bastilha. Eu, como estudioso do XVIII, deveria entender melhor isso, mas ainda estou com ares de turista e fico perdido em meio a tanta informação... Puxa vida, como tem turista aqui, todos com mapa na mão!

Arranjei vários guias de Paris. Vou estudá-los um pouco para ir memorizando os lugares.

Hoje já corri pelos jardins da Cité Universitaire, é tudo muito arborizado, muito lindo. Há outras pessoas que correm, e, pela primeira vez desde ontem, me senti mais à vontade. Acho que quando eu começar a freqüentar as bibliotecas, vou me sentir melhor também. No momento, estou apenas resolvendo questões emergenciais e burocráticas.

Bom, por enquanto é isso. Depois contarei mais de minhas aventuras em Paris. Na verdade, ainda não acredito que estou aqui. É realmente uma experiência muito forte, impressionante mesmo, parece cenário de filme, tudo muito grandioso, tudo luxuoso, tudo assustador...

Abraços,
Thomaz”

Paris sob olhos selvagens

Odeio viagens. E aqui estou eu, disposto a relatar minha expedição a Paris.

Não sou antropólogo, mas tenho uma espécie de caderno de campo. Na verdade, trata-se do meu diário, onde registro minhas impressões nesse período de estágio doutoral que faço na capital da França.

Decidi tornar públicas algumas páginas de meus escritos privados. Em parte, porque isso já vinha acontecendo quando escrevia para os amigos brasileiros. Mas também, pelo fato de que escrever para um número maior de leitores me força a pensar em questões mais interessantes.

O detalhe peculiar dessa minha experiência de estranhamento é que, aos 36 anos de idade e quase com o título de doutor em filosofia, eu nunca havia viajado para fora do Brasil. E justamente essa “falha” de formação, que poderia ser vista como algo negativo em muitos aspectos, me dá algumas vantagens em relação aos meus colegas cosmopolitas.

Afinal, não sendo um caipira no sentido estrito da palavra nem uma pessoa com experiência internacional, poderia observar as coisas de um ponto de vista singular. Teria o privilégio de descobrir o novo, porém, com uma idéia mais ou menos precisa - pelo menos teoricamente - do que estivesse descobrindo. Seria como ver “ao vivo” aquilo que outrora só conhecera por meio de livros, filmes e relatos alheios, mas, ao mesmo tempo, sem aquele ar esnobe de quem acha tudo muito banal.

Evidentemente, coisas que somente um caipira de verdade poderia enxergar vão permanecer invisíveis para mim. Da mesma forma, eu jamais poderia ver como alguns de meus professores, que olham tudo com indiferença por acharem que nada mais de novo há para se buscar. Por isso, não me importarei se minhas percepções forem consideradas óbvias ou ingênuas, nem se fulano ou beltrano já disseram a mesma coisa. Não quero vislumbrar nada pelos olhos dos outros.

O que realmente vai contar para mim são as minhas próprias descobertas do mundo, ainda que isso implique, necessariamente, num certo egocentrismo. Apesar de passarem pela realidade “lá fora”, minhas reflexões serão voltadas tão-somente para meu próprio eu. Que ninguém pense então que as críticas que eu fizer à sociedade parisiense têm algo a ver com filosofia política! E qualquer semelhança com Rousseau será mera coincidência, eu juro.

Desejo elaborar as minhas próprias representações para os sentimentos e impressões que surgirem nesse período (se meu analista ler isto, ficará orgulhoso de mim!). Logo, nenhuma pretensão a objetividade científica por aqui, apesar de eu não ter como negar que, para mim, é impossível escrever a não ser de modo objetivo.

Nesse sentido, meus relatos não serão narrativas históricas, ainda que muitas vezes eu precise referenciar minha própria história, com datas, nomes e informações. Tampouco serão devaneios de súbita inspiração, incompreensíveis ou com referências implícitas, muito embora eu necessite, não raramente, escrever em estilo mais poético que prosaico para deixar falar meu coração.

Proponho-me escrever à medida que for vivendo o que eu tiver que viver nos próximos meses. Portanto, o que segue é uma surpresa, como aliás tudo na vida. E, da mesma forma como na vida, uma surpresa que, na verdade, eu já conhecia de antemão, mas que, nem por isso, deixará de ser nova para mim...

Proponho-me escrever estrangeiramente.