segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Sobre arte

 

Meu interesse pelas artes nunca ultrapassou a mera curiosidade. Em geral, aprecio uma tela ou uma escultura com base no sentimento que me leva a dizer: "ah, que linda!". E quando digo isso, não me refiro a nenhuma categoria da estética nem a qualquer tipo de análise especializada. Pois não se trata do juízo de um profissional das artes, mas apenas e tão-somente de uma expressão de encantamento particular.

Nesses termos, não vejo muita diferença entre olhar para uma tela de Klee ou uma de Mondrian (a discussão colocada por Cortázar no capítulo 9 de Rayuela é, para mim, absolutamente estranha). Na verdade, há artistas anônimos que me fascinam até mais do que os clássicos, ainda que, de acordo com certos padrões (ou dogmas) da história da arte, tenham suas obras consideradas apenas como lixo cultural. Mangás, por exemplo.

Talvez um dia eu seja como alguns de meus amigos, que costumam dizer que amam Monet, Van Gogh, Turner, Picasso etc., não apenas como afirmação de uma preferência subjetiva, mas também objetivamente, justificando seus "gostos" com argumentos baseados em conceitos acerca do "belo" aparentemente bastante razoáveis (lembrei-me das aulas de estética no curso de filosofia, e de como vários de meus colegas adoravam tudo aquilo). Seja como for, por enquanto, isso é civilizado demais para mim, ainda que eu goste de visitar museus.

De todo modo, freqüentar os museus de Paris é algo que considero difícil. Porque a quantidade de obras que se pode contemplar por metro quadrado aqui é enorme, e aquele não-sei-quê-de-beleza-sensível que tornaria uma obra especial na comparação com as outras fica simplesmente pulverizado em meio à multidão de belas obras que vejo concentradas. É como conseguir enxergar uma bela mulher nas ruas de Paris, tão repletas de mulheres que mereceriam muito mais do que um mero "ah, que linda!"...

Neste domingo, fui ao museu Carnavalet, que tematiza a história de Paris. Mesmo sendo um museu menor, havia ali também uma grande concentração de obras de arte (ou seja, nada de novo!). De conhecido, encontrei telas que já havia visto em livros, sobretudo na seção da Revolução Francesa. Vi também os móveis do quarto de Marcel Proust onde - dizia a placa de informação - o escritor havia produzido a maior parte de Em busca do tempo perdido. Lembrei-me de Carla, minha professora de francês - a melhor até hoje! -, que é doutora em Proust nas letras...

No entanto, a obra (se é que posso usar esse termo) que mais me encantou no Carnavalet foi o arranjo dos móveis do quarto de uma escritora da qual eu nunca havia ouvido falar: Anna de Noailles (1876-1933). Havia um retrato dela pendurado na parede que imediatamente me chamou a atenção. Não sei explicar objetivamente por que aquela face me atraiu tanto. Não era uma tela famosa de um artista conhecido. Por isso me perguntei: não deveria ser apenas mais um belo rosto, apenas mais um belo olhar? Talvez eu tenha me interessado pelo fato de ela ter sido uma condessa e seu quarto ser tão simples, tão rústico... Ou talvez - e acho que aí estava o "sinal" - fosse o detalhe de uma senhora ali no museu ter pedido informação sobre um dos livros de Anna para o segurança, que não soube responder (o que foi bastante insólito, pois, pela primeira vez, vi um francês que não sabia tudo).

Quarto de Anna de Noailles, no Musée Carnavalet
Ainda que eu não tivesse razões para achar belo aquilo que se mostrava a mim por meio de meus olhos, tive vontade de dizer: "ah, que linda!"... Mais tarde, fui pesquisar na Internet sobre essa mulher. E descobri algumas passagens tocantes em suas poesias, nas quais ela versa sobre o amor, a natureza e a morte. Em Le coeur innombrable (1901), que foi justamente o livro que interessara a senhora no museu (seria uma intuição estética?!), encontrei um poema sobre o beijo - Le Baiser -, que me colocou em estado de arrebatamento. Aqui, só uma estrofe:

"Les frôlements légers des eaux et de la terre,
Les blés qui vont mûrir,
La douleur et la mort sont moins involontaires
Que le choix du désir.
"

["Os toques leves das águas e da terra,
Os trigos que amadurecerão,
A dor e a morte são menos involuntários
Que a escolha do desejo.
"]

Lendo isso, não consigo não achá-la linda, "ah, que linda!".

Um comentário:

  1. Le baiser

    Couples fervents et doux, ô troupe printanière !
    Aimez au gré des jours.
    - Tout, l'ombre, la chanson, le parfum, la lumière
    Noue et dénoue l'amour.

    Épuisez, cependant que vous êtes fidèles,
    La chaude déraison,
    Vous ne garderez pas vos amours éternelles
    Jusqu'à l'autre saison.

    Le vent qui vient mêler ou disjoindre les branches
    A de moins brusques bonds
    Que le désir qui fait que les êtres se penchent
    L'un vers l'autre et s'en vont.

    Les frôlements légers des eaux et de la terre,
    Les blés qui vont mûrir,
    La douleur et la mort sont moins involontaires
    Que le choix du désir.

    Joyeux ; dans les jardins où l'été vert s'étale
    Vous passez en riant,
    Mais les doigts enlacés, ainsi que des pétales,
    Iront se défeuillant.

    Les yeux dont les regards dansent comme une abeille
    Et tissent des rayons,
    Ne se transmettront plus, d'une ferveur pareille,
    Le miel et l'aiguillon,

    Les coeurs ne prendront plus, comme deux tourterelles,
    L'harmonieux essor,
    Vos âmes, âprement, vont s'apaiser entre elles,
    C'est l'amour et la mort...

    (Anna de Noailles)

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