sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

O ano passado

Ler o que escrevi me leva ao encontro de um outro "eu". Não me reconheço no diário e nenhum fato me parece familiar. Será que vivi realmente tudo aquilo que as palavras dizem? Sentimento de estranheza... Quem é esse de quem falo quando digo que cheguei aqui no ano passado? Não sei ao certo... Talvez conheça-o de vista, talvez tenha lido algo dele... Pensando bem, acho que me esqueci. Esse é o problema: vivo me esquecendo. Por isso, não duvido que tudo que conto seja fictício e, nesses termos, que o discurso de minhas lembranças não passe de uma história inventada para preencher - necessariamente, desesperadamente - o vazio cavado em mim por meu próprio esquecimento.

- O ano passado em Paris, ele existiu?
- O ano passado? Não me lembro dele.
- Pergunto se o ano passado foi real.
- Real? Não sei se o esquecimento nos permite falar em realidade.

De repente, descubro-me um outro. E no diálogo que tenho comigo mesmo (lembrando que o mesmo nunca é o mesmo), tento me convencer de que o que aconteceu no ano passado é real, isto é, de que eu tenha vivido tudo aquilo que minhas palavras descrevem, ainda que a simples lembrança do ocorrido não seja suficiente para dissipar o sentimento de que, na verdade, estou sonhando. Como no filme do Alain Resnais, L'année dernière à Marienbad (1961), que conta a história de um encontro que ninguém sabe se aconteceu de fato. Um encontro que pode ter sido inventado pelo homem que tenta convencer a mulher disso, ou então, o que dá no mesmo (ou quase), um encontro que realmente aconteceu, mas que pode ter sido esquecido por ela.



[Obs: A foto lá em cima foi tirada em frente ao Orloj, o relógio astronômico medieval, que fica na Cidade Velha em Praga, capital da República Tcheca.]

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Sete meses

Fui a Madrid, talvez para buscar as cores do Almodóvar. E encontrei: nas paredes dos prédios, nas roupas das pessoas, no espírito da vida local. Senti uma espécie de alegria, provavelmente, efeito do sol da Espanha.

Mas junto aos vermelhos, aos verdes, aos laranjas e aos amarelos, havia os tons de cinza do Guernica, com suas sombras, com sua tristeza. E estava ali, pacificamente instalado no Reina Sofía, bem no meio do colorido de Madrid... Pareceu-me uma metáfora da vida.