sexta-feira, 24 de junho de 2011

Au revoir


Este post eu precisaria escrever com calma, para contar as aventuras de meu último dia em Paris. Digo apenas que foi emocionante, porque passei com amigos muito especiais, dos quais me lembrarei com muito carinho. Afinal, esses amigos foram responsáveis por minhas melhores recordações deste período de quase um ano que fiquei por aqui.

Peguei água do Sena para levar de souvenir. Na verdade, uma encomenda. Mas não foi no Quai de Bourbon, como queria, e sim no outro lado da Île de Saint-Louis, no Quai d'Orléans. Foi a última coisa que fiz na rua em Paris, numa tarde linda de sol com céu azul. Teve até um fundo musical meio mágico quando estávamos indo embora e passamos em frente à Notre-Dame.


http://www.vagalume.com.br/abba/i-have-a-dream.html

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Sobre o último


Passei meu último domingo parisiense em Montmartre. Tirei fotos nos arredores da Sacré-Coeur e do cabaret Au Lapin Agile, vi os artistas trabalhando, comprei lembranças, comi crêpe. Pois é, o "último" domingo... Mas não no sentido de uma série que termina, como se não houvesse a possibilidade de outros domingos em Montmartre. Mesmo porque, como todos me dizem, posso voltar a Paris no futuro. Aliás, agora - e só agora - estou convencido de que desejo isso profundamente.

Tenho vontade de voltar a Paris. Mas não apenas por razões acadêmicas ou culturais. Antes de tudo, quero acertar contas com a Cidade Luz no que se refere aos meus sentimentos. Quero encontrar uma Paris diferente dessa que vejo hoje: lugar cinzento e frio, onde experimentei muita tristeza e muita solidão. Quero uma relação com ela que não seja como a que vivi, para tornar possível uma nova representação de memória desse lugar, uma nova história, ainda que seja história da minha imaginação. Quero que ela seja como nos filmes, como nos sonhos, pois só assim poderei rêver Paris.

E quando eu voltar, espero ter a sorte de encontrar mais uma vez o Chico Buarque, revê-lo, como aconteceu na última quarta-feira, quando passávamos eu e Ely (minha ex-chefe do IPT de férias por aqui) pela pont Louis-Philippe na Île de Saint-Louis... Ou quem sabe eu tenha ainda mais sorte e encontre de novo meu próprio "eu". Se isso acontecesse, queria conseguir dizer algo mais que um simples "oi Chico", como fiz com o cantor brasileiro. Pois gostaria de acreditar que, no futuro, meu "eu" não fugirá novamente de mim se eu tiver algo interessante a dizer. Não queria me ver escapando de mim mesmo outra vez, como aquele homem tímido dos olhos verde-azulados, que se afastou tão depressa e tão desconcertado, voltando rapidamente a ser apenas mais uma de minhas lembranças de Paris.

Fui me despedir de Montmartre, lugar que guardo no coração. Não só por ser o cenário encantado de Amélie Poulain, mas porque é lá que sinto mais intensamente o espírito intrigante e apaixonante do chat noir. Lugar onde a memória luta contra o esquecimento acreditando na repetição de um mesmo que nunca é o mesmo. Como quando encontrei o mesmo Monsieur dos crêpes na rue Norvins, que não parecia ser o mesmo de um ano atrás. Porque desta vez ele falava, reclamava com seu colega de trabalho, demonstrava uma certa irritação ao atender as pessoas, ao passo que o Monsieur de um ano atrás era sereno e imperturbável naquilo que fazia, como um ser idealizado.

Não que o Monsieur dos crêpes que encontrei neste último domingo em Montmartre fosse mais "real" que aquele mesmo de um ano atrás. Pois, rigorosamente falando, não é possível comparar a realidade de coisas que existem apenas em minha memória. Na verdade, o problema sou eu mesmo, que insisto em buscar um "real" para além das minhas representações, dos meus souvenirs de Paris. Acho que é isso: o "real" é a realidade que imagino, como num sonho, e buscar algo que vá além disso é pura fantasia: Paris é um lugar imaginário, e só por isso é "real". Talvez esse seja o sentido de rêver a realidade, e tenho a forte impressão de que a minha realidade no Brasil vai me ajudar nisso, pois ela sim é a realidade "última". Mas, por enquanto, apenas aproveito - com alguma tristeza - meus últimos minutos em Paris.

domingo, 12 de junho de 2011

Onze meses

Não consigo escrever, só penso na volta ao Brasil (hoje faltam treze dias para a partida), sinto-me confuso... Acho que sei por que odeio viagens: é porque elas são inseparáveis das despedidas, e eu odeio despedidas. E agora, tenho que me despedir de Paris, esse lugar encantado e encantador - verdadeiro "sertão" - onde descobri um outro eu, onde me estranhei e me encontrei e me perdi em mim como nunca antes.

sábado, 11 de junho de 2011

Roma

A viagem a Roma foi uma experiência marcante. Talvez, por ser a última viagem antes de minha volta ao Brasil, ou ainda, pela alegria que encontrei na atmosfera humana daquela cidade.

Mas penso que há outra razão para ter gostado de lá. Uma espécie de "revelação": nunca antes havia ficado tão claro para mim que o trabalho da memória é como o trabalho do artista, que transforma a realidade bruta da pedra em representações do sentimento.

Vi muitas pedras em Roma, ou melhor, muitas ruínas, e todo aquele cenário me parecia uma grande representação do esquecimento. Palco do tempo passado, onde todas as coisas são necessariamente reduzidas ao nada de origem, de acordo com a vontade divina para com o homem: "porquanto és pó, e ao pó tornarás".

Contudo, encontrei em Roma os guardiões da memória: Michelangelo, por exemplo, que lutava contra a rígida ordem do universo com a fina delicadeza de sua Pietà e com a vivacidade apaixonante de seu Moisés. Emocionei-me porque o que vi naquelas obras não era apenas a matéria dura e fria da rocha, mas amor.

Um amor que, mesmo sendo tão bem representado na pedra, não poderia escapar do destino de todas as coisas humanas: arruinar-se, tornar-se ruína. E, no entanto, um amor que, justamente por não ser eterno, valeria o sacrifício de uma vida inteira pelo simples fato de poder existir, ainda que apenas por um único instante antes de voltar a ser pó.

Fiquei impressionado também com a volta de Roma. Porque nos dias que passei lá, experimentei um sentimento de saudade de Paris que só aumentava. Entre os italianos, senti-me como se estivesse no Brasil, com pessoas sorridentes e barulhentas, vestidas de maneiras as mais variadas e coloridas possíveis. No entanto, tendo que falar em inglês - ou português! -, sentia-me estrangeiro e ficava feliz quando ouvia alguém falando francês, mesmo quando eram esnobes, monocromáticos e mal-humorados, mesmo quando eram tipicamente parisienses...

Nunca fiquei tão feliz em estar de volta a essa cidade cinzenta e triste, cheia de gente chata e melancólica. Quando saí da estação do RER em frente à Cité Universitaire, não me sentia apenas "em casa", mas literalmente chez moi. Não quero dizer com isso que eu goste de coisas desagradáveis, mas é que só agora vejo um certo charme nessa ambiance tão única que até há bem pouco tempo tanto desgosto me causava. Chegar em Paris depois da viagem a Roma foi como redescobrir um amor que estivesse esquecido, em ruínas.

Chega a ser engraçado: somente agora, que estou prestes a deixá-la, é que começo a ver certas coisas em Paris. Por exemplo, a possibilidade do amor à maneira de Michelangelo: amor concreto, extraído da pedra antes de tudo virar pó. Mas, como sempre acontece comigo, é tarde demais... E, no final das contas (e no final de tudo), o que Paris me mostra é uma história - mais uma! - de desencontro. Em minhas lembranças, Paris será sempre o lugar dos amores impossíveis. O que não deixa de ter seu charme: enchantement...

sábado, 4 de junho de 2011

Gratte-papier


Quem me mostrou esse curta foi meu amigo Mauro Dela Bandera, no final do ano passado quando esteve em Paris. A história faz mais sentido para quem conhece o metrô daqui, onde os olhares se cruzam apenas indiretamente e as relações só acontecem na imaginação. Mas é possível que até mesmo quem não conheça ache o diálogo encantador (a tradução não é literal):

Lui: Les / regard / autour / son / sur vous / je / ne / peut / voir / votre / visage / mais / les / regard / parle
[Ele: Os olhares ao redor estão sobre você. Não posso ver seu rosto, mas os olhares falam.]

Elle: il ne / disent / rien / sur / vous
[Ela: Eles não dizem nada sobre você?]

Lui: hélas / je / était / le centre / avant / que / tu / ne / viens
[Ele: Infelizmente, eu só olhava para mim antes que você chegasse.]

Elle: rassure toi / je / va / partir
[Ela: Fique tranquilo: vou embora.]

Lui: non / bouger / pas / le stress / gronde / dehors / ici / il s'assied / c'est mieux / "Le ciel étoilé vaste, clair et paisible. C'est une magnifique nuit. Seule sur le toit de son immeuble, Eda est installée sur une chaise longue. Des notes de piano cristallines..."
[Ele: NÃO!!! Não se mexa. O stress ruge lá fora. Aqui, sentados, é melhor. "O céu estrelado, vasto, claro e pacífico. É uma noite magnífica. Sozinha no terraço de seu prédio, Eda está instalada sobre uma cadeira dobrável. Notas de piano cristalinas..."]

Elle: Je / par
[Ela: Vou embora.]